1 de novembro de 2010

Diário de Campanha: O Novo Senhor da Guerra - 11ª Sessão

O Acerto de Contas 
- Kreev!!! Áries!!! Ah, é tão bom ver vocês!! – Disse correndo na direção do draconato que me fitou com seus olhos aterrorizantes. Preferi correr e abraçar Áries. – Por onde vocês andaram? Olha só, não só eu estou vivo como o Bleiner também. – Apontei para o monge que dava voltas no lugar de alegria em ver os dois. Meus lábios pareciam anestesiados, mas eu me sentia tão bem! Era como se eu tivesse forças suficientes para ir chutar a bunda daquele tarrasque sozinho! Seja lá o que tinha naquela bendita raiz, eu precisava provar um pouco mais.


- É... é bom ver vocês também. – Áries finalmente disse.
- Mas que dupla de palhaços é essa? – Interpôs-se um rosto novo. Ele franzia a testa ao ver Bleiner dar cambalhotas no ar. Percebi que ele não tinha a íris em seus olhos, o que me fez deduzir que fosse um eladrin.
- Ei, veja lá como fala, seu... seu... eladrin de braço peludo! – Retruquei, quase partindo para cima do ser que usava mantos em cima de mantos, mas deixava um de seus braços à vista.
- Este é Balg’ Or. – Kreev finalmente disse. – Ele virá conosco a Alendar se vocês pararem com todo este cinismo. – Bleiner dava cambalhotas estrelas terminadas com saltos mortais.
- Hum... por mim sem problemas. Vamos Bleiner, chega de subir em árvores. – O monge agora escalava um grosso pinheiro que estava ali por perto, mas rapidamente saltou de lá de cima com um sorriso feliz em seu rosto.
- Precisamos buscar os nossos itens! – Disse o meio-orc com uma respiração agitada.
- Quanto a isso, não há o que temer. Tome. Aqui estão todos os equipamentos de vocês. – Kreev jogou duas caixas de madeira que não sei onde ele guardava aquilo. Dentro dos recipientes estavam todos os meus equipamentos, bem como, na outra caixa, Bleiner parecia surpreso em ver seus itens reluzirem.
- Ah, cara!! Vocês são demais! Ih olha só, meu orbe... meu anel... Meu bracelete!! – Disse pulando de alegrias. – Meu bracelete que eu tanto relutei para conseguir!!
Era emoção de mais e eu ainda estava sob o efeito daquela raiz alucinógena. Empolgado, coloquei o bracelete em um de meus ante-braços e de repente minha vista escureceu. Tudo foi ficando escuro enquanto ouvia a voz de Bleiner longe... muuuito longe... 

Apaguei num leve descanso.

Acordei com um chacoalhado de Kreev. Ele não sabia se ria ou se me criticava. Mas o fato é que meu bracelete estava encantado. Isso mesmo, leitor. O maldito bracelete que eu TANTO LUTEI PARA CONSEGUIR E QUE ME FEZ ATRAVESSAR UMA MONTANHA INFESTADA DE FORJADOS BÉLICOS PARA BUSCÁ-LO DE VOLTA ESTAVA ENCANTADO! Mas é muita sorte para um cara só...

- Não se preocupe, Ébrio. – Disse Áries analisando o item mágico. – Você consegue desfazer este feitiço com qualquer clérigo ou feiticeiro barato que encontrar. Até lá, sugiro que guarde-o em suas coisas. É um bracelete muito bonito, evidente.  

Guardei o item com uma cara de raiva. O efeito daquela planta já tinha passado e eu sentia uma tremenda dor de cabeça. Bleiner pareceu empolgado pela jóia.

- Bom, se ninguém tem mais nenhuma estupidez a fazer, sugiro partirmos logo para Alendar – Kreev ajeitava a suas coisas – Fomos informados de que a cidade estaria sob ataque ainda hoje, pela manhã.
- Mas que horas são? – Perguntei olhando para o céu. Já era dia naquelas terras de nuvens cinzentas.
- É, provavelmente nunca consigamos chegar a tempo. – Áries lamuriou-se.
- Hei... esperem um minuto! – Bleiner disse com sua voz rouca de sempre. – Onde está Castiel?! – Sua pergunta era muito bem frisada. Eu também não tinha visto a barda por ali. Parecia que o efeito lépido daquela raiz começava a passar para o monge também.
- Bom hã... – Kreev e Áries se entreolhavam.
- Ela foi deixada para trás. – Interferiu-se Balg’ Or. – Seu amigo draconato precisava de alguém de confiança com minha mestra. Não sei por quê. – Ele fitava o guerreiro
- Porque confio mais naquela barda do que num mago sem íris nos olhos. – Retrucou Kreev. – Agora, se ninguém tem mais perguntas, vamos sair logo daqui ou vou acabar deixando mais alguém para trás.
- Uiaaa... – sussurrei para Bleiner que provavelmente nem ouviu o que eu disse, apreensível sobre a localização da barda.
* * *

A viagem até Alendar levou um certo tempo. Um tempo muito precioso para Kreev, na verdade. Talvez ele quisesse ter matado a todos nós pelo caminho, ou matado a si mesmo. O fato é que caminhamos por mais de três horas debatendo e discutindo os mais diversos assuntos, de tarrasques a bardas meio-elfas.
No caminho, entre um intervalo de um assunto masculino para outro, Bleiner me puxou para um canto, afastando-se dos demais. Não, ele não fez seja o lá o que você estiver pensando.

- Ébrio, meu bom amigo, preciso falar com você. – Sua voz era rouca e vacilava às vezes.
- Diga lá, meu caro.
- Quero lhe propor uma troca. – Seus caninos reluzentes a brilharem num sorriso “bonito”.
- Bom... e o que seu velho amigo pode fazer por você?
- Você troca seu bracelete encantado por uma varinha? – Ele puxou de sua mochila uma varinha com não mais do que trinta centímetros, de madeira negra.
- Nem pensar, cara! Você não tem noção do que eu passei para pegar esse bracelete! E além do mais, ele é muito importante para mim... – Eu dizia analisando a jóia dentro de minha sacola de viagens.
- Certo... e que tal a varinha e um diamante astral pelo seu bracelete?
- Poxa, cara... já não te falei? Eu gosto do bracelete. E eu só preciso encontrar um bom clérigo que possa refazer o feitiço e...
- Meus trajes mágicos mais um diamante astral!
- Fechado.

Sim. É isso mesmo leitor. Ah, pros infernos essa droga de item mágico amaldiçoado! Acmyr não gostaria disso. E quer saber, orra... um traje mágico como os que Bleiner usa não se vê todo dia, ainda mais acompanhado de UM DIAMANTE ASTRAL! Acho que essa é a maior quantidade em dinheiro que já consegui nas minhas empreitadas! O meio-orc é um guri bom, tenho certeza que cuidará bem do bracelete.
Concordamos num aperto de mão firme. Pus as roupas em minha sacola, protegendo o precioso diamante astral. Eu gostei, no fim das contas. Tinha um item mágico tão interessante quanto aquele bracelete e eu não precisava cair no sono ou em nenhum outro truque para ativa-lo. Mas acho que Bleiner foi quem mais parecia feliz. Pude vê-lo dando pulos de alegria por mais quinhentos metros à frente e tenho certeza que ele sussurrava algo como “usar isso aqui na barda...”, mas logo mudava de assunto quando era indagado.

Mais algumas exaustivas horas de caminhadas a passos rápidos se passaram pelas terras próximas a Alendar. Eu poderia ter feito algum ritual mágico como os Discos Flutuantes de Tenser para nos ajudar na jornada. Isso, claro, se todos os meus materiais para feitiço não estivessem no nosso barco. O barco da Comitiva, localizado há mais de 15 mil jardas daqui...

...

Essa medida está certa? 15 mil jardas? Acho que sim... 

Oh, eu também sei fazer feitiços, caso você pergunte, bravo leitor. “Nem só da mente vive a nossa gente” – Meu pai já costumava me dizer...

Bom, mas onde estávamos? Ah, sim.

A caminhada nos levou por paisagens que pensei não encontrar neste continente hostil,  amante do ferro e da pólvora. É incrível como até mesmo os lagos e riachos, pelos quais paramos algumas vezes, trazem-me a mesma lembrança de peso na consciência como a que tive na mina dos forjados bélicos... Será que Nahn sabe disso? Balg’ Or disse ao bruxo que os Alendarianos são devotos extremistas de Ag, O Supremo. “Para eles, não há outra força mítica que consiga se aproximar da grandeza do Supremo” – Dizia o mago eladrin. Se você me perguntar, acho que são todos uns pagãos malditos. Quero dizer, como pode um raça dessa ser tão atrasada e rude ao ponto de ignorar a existência de Nahn?! Ou a Ordem de Gonar? O Caos de Tut’annar? A sorte de Acmyr ou até mesmo a hostilidade de Helthis? Difícil entende-los...

Kreev puxava o grupo por uma colina íngreme coberta por uma vegetação rasteira de cor verde escuro. Não sabia dizer quem bufava mais de nós cinco. Pensei novamente em ajudar a rapaziada com alguns discos flutuantes até lembrar da localização atual deles... É,  pernas para que te quero. 

Enfim chegamos - quase mortos de cansaço - ao topo da colina esverdeada. A vista que tínhamos dali de cima era impressionante. Ao norte, era possível ver as terras cinzentas de Alendar com suas grandes torres negras exalando cortinas de fumaças aos céus e vez ou outra, um raio riscava as nuvens, iluminando vagamente o topo das torres. A oeste, ficava a mina dos forjados, agora um bastião de defesa daqueles seres. Agrupamentos de pinheiros se estendiam pelas beiradas da colina, para todos os lados que você olhasse. Mas ali em cima, ainda, havia algo que nos chamou a atenção. No topo da colina, uma cabana construída de madeira e palha seca fora assentada. Parecia ter sido montada por homens fortes e vorazes, entretanto, o único ser que podíamos ver ali por perto era um pequeno gnomo, de cabelo comprido e liso preso num rabo de cavalo. Estava de costas para nós, sem camisa, estendendo suas pequeninas roupas num varal brilhante. Kreev se aproximou da cerca da casa, “Welcome” estava escrito numa placa de madeira fincada à beirada da murada – seja lá o que isso significa. Ele tossiu alto, chamando a atenção do pequeno. O vento soprava forte no topo da colina. Bom para as roupas do camarada, que logo já estariam secas no varal.

- Oh, vejo que não são dessas bandas. – Disse o gnomo sorrindo, secando suas mãos molhadas num lenço listrado. O vento fazia os cabelos livres do ser balançarem em seu rosto. – Sou Kipler, the Keeper. Guardo o acesso a Alendar para forasteiros. – Ele estendia sua mão com um sorriso hospitaleiro no rosto. Sua voz era firme e consistente, para um ser tão pequeno como ele.
- Quer dizer... que você é um guardião?
- Exatamente, homem-dragão. – Respondeu a Kreev ajeitando os cabelos esvoaçados.
- Precisamos ir para Alendar, gnomo. – A voz grave de Áries foi ouvida. Ele protegia seus cabelos e mantos da direção do vento enquanto falava. – A cidade está sob um iminente ataque de um tarrasque!

Não sei se fui só eu quem percebeu, mas nesse momento, o gnomo trocou o sorriso gentil em seu semblante por uma careta de dúvida.

- O que diz, lord tiefling? Alendar? Minha Alendar sob ataque? – O hafling olhou em direção à cidade. Todos nós olhamos também e pareceu-me que a cidade estava igual: torres negras cobertas de nuvens acinzentadas e fumaça. Não se via um ser colossal como um tarrasque nem dali de perto. – Você tem certeza do que fala, meu senhor?
- Pode ser tarde demais! – Bradou Kreev. – Rápido, precisamos verificar o que há com esta cidade!
- Espere lá, nobre homem-dragão. – Kipler disse suavemente suas palavras. Parecia não querer nos ofender, mas para ele, era como se estávamos todos loucos a vermos coisas. – Garanto-lhe que Alendar está em perfeitas condições. Vamos, por que não entramos em minha cabana e tomamos um chá enquanto ouço mais sobre vocês?

Kreev o olhou fulo da cara. Seu olhar de “É, sirva o chá enquanto eu aço seu coração no forno!” estava presente e neste instante, minha barriga roncou.

Ah, cara... eu estava com fome! Precisava comer (leia-se beber) algo.

- Parece-me uma boa. Você tem bebidas lá dentro? – Perguntei ao gnomo.
- Oh, sim meu caro. – disse saltitando até a entrada de sua cabana. Ele deixara o portão aberto de sua cerca para entrarmos. – O que gostaria de beber?

Kipler abriu a porta e mesmo ali de fora eu pude perceber o requinte que aquela cabana possuía. Para um alojamento, até que o pequeno sabia cuidar muito bem de sua vida. 

A cabana era gentilmente arrumada com os mais finos itens para ambientes. A sala possuía um sofá com um móvel ao lado esquerdo coberto de livros grossos. Não havia nem sequer um sinal de poeira por cima deles. Do outro lado do aposento, uma estante de madeira negra guardava uma grande quantidade de licores e outras bebidas.
O povo de Alendar é meio esquisito, como já falei antes. Preferem beber licor ao invés de doses cavaladas de cervejas refinadas? Onde está o glamour nisso? Haviam outras bebidas com nomes impronunciáveis para mim, entretanto, nenhuma delas se parecia com Andermaltein, a dádiva dos deuses.

Já falei aqui o quanto essa cerveja é boa? Produzida pelos anãos de Anoehin, sua fórmula é guardada a sete chaves mágicas num calabouço embaixo do solo gélido daquelas terras. Dizem que, se você conseguir tomar quinze copos de Andermaltein e depois disso conseguir dizer “Au zuhm, eskraäv!” você pode estar apto para ser regente de Anoehin, o reino dos anões! Tudo bem, isso não deve ser um trabalho muito legal, mas caramba, não há registros de quem conseguiu fazer isso! Estou louco para tentar!...

...

...

Quero dizer, cara... quinze copos... não deve ser muito difícil...

Certo?

...

Na cozinha, Kipler operava um forno bem esquisito enquanto seu chá ia sendo preparado. O gnomo ainda apontou para um bolo colocado no centro da mesa redonda de sua cozinha. Um a um nós sentamos em torno do bolo, ainda sem saber muito bem o que fazer.

- Então... – Ele disse de costas para nós – Quais seus objetivos em Alendar? – Suas mãos operavam o maquinário com maestria, era como se ele pudesse fazer aquilo de olhos fechados.
- Eu já disse. – Áries estava incomodado. – A cidade está sob ataque. Um ataque de um tarrasque.
- Precisamos certificar-nos de que realmente está tudo bem. – Kreev fitava o bolo.

De todos nós reunidos, Bleiner era o único que mais parecia revoltado com a situação. Acho que ele nunca foi muito fã de pequeninos, ainda mais depois de sermos ludibriados por um outro ser parecido com este. Mesmo assim, eu incentivava o monge a pegar um pedaço do bolo. Balg’ Or, o mago metido a machão também não se pronunciava. Estava indiferente a tudo aquilo ao seu redor. Cara estranho... Quero dizer, bom, eu posso ser bêbado, pobre e sem futuro, mas sou honesto! Tenho minha dignidade (acho que não a troquei por uma garrafa de vinho, ainda...). Mas aquele cara... difícil descrever suas intenções.

Kipler parecia empolgado, enquanto a nossa mesa estava em total silêncio. Kreev e Bleiner agora disputavam os últimos pedaços de bolo, mas faziam isso de forma calma, aparentemente. Áries puxou algumas provisões de sua mochila e mordiscou uns nacos de pão. Olhava com desgosto à receita do guardião. Minha cabeça começava a girar, de repente, era como seu eu estivesse numa seca tremenda por uns goles de cerveja gelada. Não resisti e acabei perguntado ao gnomo:

- Meu caro, por um acaso você não tem nenhuma bebida por aqui? – Eu sabia da existência de alguns licores, conforme descrito à cima, mas preferi perguntar primeiro. O que parece ter sido uma péssima idéia. Kipler disse-me que suas bebidas são decorativas e que ele prefere tomar chás a virar canecas de cerveja. Mas que porra de guardião é esse? Chá??? Orra, eu quero é álcool, calhorda!
Então ele me informou que os chás de uma planta local costumam deixar alguns efeitos alucinógenos a quem os bebe. O chá de Yaggi, como ele disse, é extraído de uma raiz local, esverdeada e coberta por espinhos. “Ela costuma ser perigosa, se ingerida em grandes quantidades, mas garanto que é uma sensação muito boa” – Informou-me. Então lembrei que peguei um pouco da seiva daquela raiz que me arranhou, na saída da mina dos forjados.

- Por um acaso é algo parecido com isso? – Perguntei ao pequenino mostrando-lhe um recipiente cheio de um liquido esverdeado.
- Exato! – Ele olhava o frasco. – Como conseguiu isso?
- Bom, eu dei umas voltas por ai. – Cocei minha barba enquanto sorria para Bleiner.
- Você... você gostaria que eu preparasse isso para o senhor? Eu sei a receita do melhor Chá de Yaggi da região.
- Sério? Eu adoraria!

Ah, cara... não é todo dia que se toma um negócio louco desses. E o efeito que ela tinha deixado era incrível! Eu precisava repetir a dose. Infelizmente, não saiu muito bem como eu planejei...

Kipler aprontou a bebida em poucos minutos. Eu parecia uma criança empolgada ao receber um doce após comer todas as verduras de minha refeição. A cor esmeralda da bebida já era magnífica. Olhei alguns segundos para aquele copo de vidro contendo o chá em temperatura ambiente. Todos me olharam. Tenho quase a certeza de que Balg’ Or balançou a cabeça algumas vezes, impedindo-me de tomar a bebida. Sorri ao gnomo que tomava seu chá menos legal e mais padrão e sem pensar duas vezes, catei aquele copo mandando a bebida goela abaixo. No melhor estilo “pregão”, como os homens de Pinus chamam virar uma bebida numa talagada só, eu entornei o copo.

...

..


É, talvez teria sido melhor comer um pedaço de bolo mesmo...


Quer saber o que é legal, ao ingerir uma bebida dessas? É que você não fica bêbado. O álcool, quando em nosso corpo, pode passar uma sensação falsa de auto-confiança, capacidade superior a encarar seus problemas... Bom, comigo funciona assim, pelo menos. Mas eu não estava bêbado. Em menos de três minutos, eu estava dopado! E embora muitas vezes o álcool faz você esquecer tudo o que cometeu enquanto bêbado, eu me lembrava perfeitamente de TUDO que fiz, estando dopado.
Primeiramente, minha vista ficou repentinamente mais verde. Tudo produzia um excesso de cor verde. Minhas mãos, o bolo, a mesa, Bleiner! O verde brotava de todos os lugares! Então o teto começou a querer ceder sobre minha cabeça. Joguei meu pescoço para trás e quase cai da cadeira. Eu tinha que sair dali! Corri para fora da cabana, ao ver o solo verde da colina dar lugar a um amarelo forte, meio escuro. Ocre, seria o nome certo. Um ocre amarelado. Haviam tartarugas andando a passos rápidos do meu lado, no que uma saudou-me com um contente “Boa tarde” enquanto outra perguntara se aquele vento permaneceria a tarde inteira na colina. A cabana agora estampava um bonito sorriso para mim. Um rostinho feliz formou-se na parede da casa ao dizer “Experimente subir na cerca! ;)” Ah... mas a cabana era muito gentil. Eu não poderia fazer essa desfeita a ela. Despedi-me das tartarugas e corri até a cerca. Vale lembrar que o clima estava parado. De uma hora para outra, o vento forte que soprava na região dava lugar a uma fraca brisa, incapaz de fazer até mesmo os trigos balançarem. Subi na cerca equilibrando-me com tranqüilidade. O que é meio estranho de se fazer quando o diâmetro das grades é inferior a um centímetro. A cabana sorria para mim.

- Olha! – Gritei para ela, empolgado. – Estou conseguindo!
- Você é o melhor, Ébrio. – A cabana ria ao ver meus movimentos. Tenho certeza de que bateria palmas para mim, se tivesse mãos para isso.

Então Áries apareceu, abrindo a porta da cabana e fazendo seu rostinho feliz desfazer-se. Tudo ficou mais vermelho com a presença do tiefling. Um vermelho vivo, como fúcsia. “Nãããão!” -  Gritei para ele descendo da cerca. “O que você fez com a cabana, cara!!” – Minha voz era de tristeza. Mas não sei por qual motivo o tiefling, ao ver isso, preferiu correr para dentro da casa fechando a porta atrás de si.

Ainda me lembro de aparecer na janela da cozinha, onde todos conversavam, e estender meus braços como uma gaivota saúda seus companheiros. Bleiner estava elegantemente vestido com roupas de nobres que eu não sabia dizer se lhe caiam bem, mas parecia feliz com a minha presença. O gnomo tinha mais cabelo que o normal. Estava sem camisa e com o peito coberto por uma quantidade muito grande de pêlos. Seu rosto era de preocupação. Kreev parecia um dragão, para mim, um imponente dragão com asas brancas que brotavam de sua grossa armadura de placas. Áries era uma eminente fonte de energia mágica num misto de cores negras e vermelhas. Não tinha rosto, e era quase disforme, sendo possível apenas perceber seus chifres. Balg’ Or era uma alegria só. O mago tinha seu rosto pintado com cores brancas e seu braço direito não era peludo, alias, não tinha pêlo algum!
Voltei para o quintal da cabana, brincando com o trigo no campo. Tudo era felicidade para mim. De repente, o joio abriu espaço entre a plantação e uma figura feminina andou elegantemente em minha direção. “Eu te amo.” – Ela disse com uma voz suave e penetrante. Eu beijava seus lábios frios e sólidos e a sensação que eu tive era a de beijar uma pedra. Mas impossível! Eu estava beijando uma linda elfa vestida em prada! Uma linda elfa com gosto de pedra, no final das contas.

Kreev me chamou, minutos depois. Entrei como um gatuno por um corredor escuro que tinha o mesmo cheiro da mina dos forjados. Era como se eu pudesse ver os forjados ali, do meu lado. O draconato então me disse que estávamos indo para Alendar. Entretanto, para isso, precisávamos deixar nossos itens mágicos com Kipler. Pude ver Bleiner ali por perto vestindo uma armadura de forjado. Estava preocupado, abraçado a sua mochila e seus itens. Era como se ele não estivesse afim de abandonar suas coisas. Áries e Balg’ Or já estavam deixando a sala quando Kreev pediu-me para deixar meus itens mágicos ali. Em outras condições, eu provavelmente teria feito o mesmo que meu amigo monge. Mas eu estava sedado, feliz com cada palavra que o draconato sibilava. Deixei meu anel, meu cajado... Tudo que eu mais tinha de valoroso. Entretanto, escondi minhas vestimentas mágicas com meu sobretudo e sabia que meu fiel orbe ainda estava num dos bolsos de meu jaleco. Eu estava sedado, não retardado. Fiz de tal jeito que nem mesmo Kreev conseguiu perceber (embora acho que o monge tenha).

Sem mais delongas, partimos deixando Kipler e Bleiner para trás. A paisagem num lindo azul turquesa fazia as nuvens dançarem ao me ver. Eu acenava em resposta à gratidão das nebulosas. Ao fundo, o rostinho feliz da cabana estava de volta, mandando-me uma piscadela por meio de uma de suas janelas. Todos esses anos eu nunca tinha visto algo tão grato. Todos me adoravam, eu tinha uma linda parceira elfa de lábios sólidos e até mesmo as nuvens gostavam de mim. Aquilo era a verdade que sempre me foi negada. Aquilo era viver...

* * *

O caminho até Alendar era muito bem sinalizado. Claro, se você sabe falar a língua desse povo. No meu caso, ainda sob o efeito daquele chá, preferi seguir Kreev e sem tirar os olhos dos demais.
A última vez que estive em Alendar, lembro-me da cidade ser um aglomerado de grandes castelos imponentes; de muros altos e inexpugnáveis, com torres negras como as de um castelo do “senhor do Mal” que são capazes de observarem todos os cantos da cidade.
Como Alendar estava sob um iminente ataque de um colossal tarrasque, as imagens dos muros de defesa derrubados, e de crateras nas redondas expirais da cidade eram as únicas coisas que eu podia pensar. Além, é claro, do nome daquela linda elfa que me beijara em outrora. Não, eu realmente fui beijado por uma elfa! Não podia ser outra coisa!
Entretanto, quando chegamos nas proximidades do Reino do Carvão, pude perceber que os muros pareciam intactos! Não havia uma torre negra posta a baixo por forças descomunais, nem mesmo o grito daqueles que clamam por socorro eu ouvi! Pensei ter bebido chá de mais.

- Parece que chegamos tarde. – Lembrou Áries, tentando avistar alguma coisa por entre os portões da cidade – O ataque provavelmente já deve ter acontecido.
- Mas... mas... a cidade está intacta! – Ajoelhei na grama à beira dos muros. Uma bandeira branca com um símbolo em dourado estava desfraldada e pendia para fora da cidade, por cima da mureta do lado direito à entrada.
- Vamos, não esperem nada de bom daqui.

Kreev ainda empunhava seu machado, dado por aquele halfling desgraçado. Aquele lembra-se? Que retirou todos os nossos itens mágicos... Como Kipler havia pedido que entrássemos no reino sem equipamentos mágicos, Kreev logo aprontou seu ordinário machado para auxilia-lo. Esperto, mas não tão esperto quanto eu! Ho-ho...
O draconato seguiu em direção aos portões da cidade. Estavam escancarados, sendo possível avistar as ruas, lá dentro, mesmo ali de fora. Mais dois passos do guerreiro e ele foi contido por uma ordem “Pare, meliante!” – Disse a voz que me soou familiar.

- Você! – Gritou Kreev brandindo seu machado.
- E quem mais poderia ser, dragão maldito! – Disse a voz da pequena criatura que olhava para nós. Sua voz era rude e perturbada.
- Você é o motivo de estarmos aqui!
- Ora, cale a boca! O que vocês são, afinal? Artistas de circo? Eu peço uma tarefa digna de heróis, como eu fui informado que vocês eram, e o que me trazem? Um item falso? Um maldito castiçal falso?? – O halfling retirou de sua pequena mochila um castiçal brilhante. Logo em seguida, atirou-o no chão, partindo o item em três partes. Ainda certificou-se de pisar em cima delas e reduzi-las até fragmentos do que um dia já foi um castiçal. Estávamos novamente de frente com Arthur, o halfling que nos trouxe até Alendar e que “presenteou” Kreev com seu machado.
- Falso? – Interpôs-se Balg’ Or. Sua voz trêmula não apresentava muita certeza no que dizia. – C-Como ele poderia ser f-falso! Fomos assegurados...
- Por Ag! De nada me vale um item falso! Vocês não imaginam o constrangimento que sofri com isto! – Enquanto Arthur reclamava, ele foi escoltado por três enormes minotauros musculosos. Eles tinham os tórax bem trabalhados e empunhavam maças que pareciam pesar mais do que o próprio halfling reclamão. Um deles nós já havíamos visto, era seu fiel vassalo bronzeado e de pele oleosa. Estava tão fulo quanto Arthur e parecia estar afim de arrancar nossas cabeças, se o pequeno ordenasse. – De nada me vale um item falso, assim como de nada mais me vale a Comitiva Escarlate.
- V-vou... vou me mandar daqui! – Gritou o antes estóico Balg’ Or, agora uma massa de medo e fraqueza que corria na direção oposta a Alendar.
- Peguem-nos! – Ordenou Arthur desembainhando uma espada curta.

Kreev urrou em resposta ao mugido dos três minotauros e investiu contra o primeiro, mais próximo a ele. Áries programou sua besta de mão (era estranho ver o tiefling usando outra coisa que não fosse seus sortilégios), mas antes de atirar ainda viu Balg’ Or correndo para longe. O mago de braços peludos passou por mim, correndo por sua vida; seu rosto tinha a face do medo estampado. Eu esperava alguma chance de poder usar meu orbe novamente.

- Áries! Precisaremos do mago! Argh!! – Berrou Kreev atacando dois minotauros de uma só vez, quando ele partira para um terceiro ataque, uma bala o atingiu de raspão em seu braço. Do alto da muralha de defesa da cidade, estava outro rosto familiar: Joker! Aquele marinheiro fumante esquisito! Ele não sabia se recarregava sua carabina ou se tragava um pouco mais de seu fumo. Kreev olhava para seu braço, sangrando.
Aquilo me deixou fulo. Não sei dizer se foi por causa do chã de Yaggi, mas a verdade é que senti uma raiva dentro de mim que eu não sentia há muito tempo. Um sentimento que desapegou-se de mim, com o passar dos anos. Estava de volta aquela cólera, aquela vontade de matar quem maltratava meus amigos. Eu não tinha muito tempo para pensar, deixei os instintos decidirem o que eu devia fazer. E eles não fizeram coisas boas...

- Áries! – Gritei para o bruxo. – Chame Balg’ Or de volta! Eu me encarrego deles.
- Você não irá conseguir fazer muita coisa contra três minotauros, Ébrio!
- Dane-se os minotauros. Kreev pode acerta-los. Vou ajudar o dragão a acabar com a “vantagem” do halfling. – Estendi meu braço esquerdo enquanto minha mão direita tateava meu orbe dentro do jaleco. – Joker é meu!
Como quem entende o que eu dizia, Áries tratou logo de trazer Balg’ Or de volta ao campo de batalha. Já há meia milha de distância, o mago corria sem olhar para trás, mas de repente ele parou, ao ouvir o grito de Áries. O tiefling gritou alto o nome do eladrin que então resolveu cooperar. 
- Precisamos do seu som fantasma, Balg’ Or!
E assim ele fez, contribuindo com a sua pequena parte naquela batalha. Balg’ Or emitiu um som alto e agudo, como o de uma sirene, logo em seguida, reproduziu a voz grossa de um homem gritando “Portadores de magia nos portões!” e então ele correu. Tropeçando algumas vezes, até sumir de vista de volta à colina de Kipler.
Não demorou muito e logo saíram guardas com elmos prateados da torre à entrada de Alendar. O som estalado de pisadas fortes ia crescendo com o tempo. Não demoraria para a milícia da cidade chegar. Os minotauros usavam magias tanto quanto nós. Áries havia criado uma cerca de fumaça negra que parecia cegar quem adentrava nela. Eu continuava meus ataques psíquicos em Joker, tentando empurra-lo da beirada da muralha. Kreev era o único que não parecia muito bem, sendo atacado pelos três minotauros e por Arthur também, quando este tinha a chance.
Os guardas de torre viram Arthur usar sua espada mágica para atacar Kreev, e então, logo um grupo de seis homens chegou ao encontro e dominou o halfling. Arthur ainda gritava para tirarem suas mãos dele, mas fora logo contido por apenas dois guardas. “Ali! Aquele minotauro também!” – Gritei da entrada da cidade para a torre e rapidamente um guarda atirou um dardo-rede que se abriu no ar até cercar o minotauro predileto do pequenino que foi arremessado contra o solo. Foi preciso os quatro guardas restantes e um bocado de força de vontade para puxarem o minotauro até próximo de Arthur. Eu sorria, à distância, enquanto continuava a atacar Joker.
Era engraçado, Arthur e seu minotauro favorito estavam dentro dos territórios da cidade quando foram presos. Kreev e outros dois minotauros, bem como eu e Áries estávamos fora. Talvez por isso a guarda da cidade não deu a mínima para nós. Para eles, os únicos a estarem violando as leis de Alendar era a dupla encrenqueira.
Kreev esquivou de um ataque dos minotauros, mas fora atingido novamente por Joker. Para mim, aquele “marinheiro” já tinha ido longe de mais. O draconato cambaleava, mesmo assim, parecia disposto a atacar os minotauros. Eu corri por trás dele em direção à bandeira desfraldada que pendia dos muros e a escalei, com pressa. Lá em cima, empurrei Joker com a mente. Eu estava muito irritado. Ele balançou, na beirada do muro. Empurrei-o mais um pouco e o maldito marinheiro se mostrou um ótimo equilibrista. Mesmo escorregando da murada, ele ainda conseguiu se segurar com as mãos à beirada. Mas como eu disse antes, eu estava muito revoltado. Eu não queria outra coisa se não a morte daquele desgraçado. Se estávamos ali agora, era graças a Arthur e seus comparsas e isso incluía Joker. Ele precisava pagar. Vi os fragmentos do antigo castiçal espalhados pelo chão e sem pensar duas vezes, fiz eles levitarem e seguirem em direção das mãos de Joker fincando-se nelas com raiva. O marinheiro não agüentou e finalmente caiu do alto do muro com pedaços de ouro e metal cravados nas mãos. Caira dentro da nuvem de fumaça criada por Áries anteriormente, Kreev e os minotauros bem próximos dali. Me empolguei. Gritei de raiva como Kreev, que provavelmente me daria um murro na cabeça se pudesse. Olhei para trás e vi Áries correr da batalha igual Balg’ Or, os dois já estavam a uma enorme distância da contenda. Kreev começava a recuar também, mas era seguido pelos dois minotauros pendendo em ambos os seus flancos. Então ouvi um tiro sair da nuvem de fumaça. Uma bala partiu rápida em direção de Kreev, acertando-lhe em cheio.

- Nãããão!! – Gritei enfurecido – Maldito!!!

Olhei para baixo e vi Joker saindo daquele campo que já começava a se dissipar. Foi dali mesmo. Eu estava tomado pela cólera. Este sentimento que eu não tinha há muitos anos. Este sentimento de fazer valer a pena lutar pelos meus amigos. Ataquei com meus melhores poderes psíquicos a mente de Joker. E lá no fundo, bem lá no fundo mesmo, eu vi que até mesmo um ser como ele era um cara legal. Entretanto, agora era tarde de mais. Eu havia corrompido suas lembranças causando-lhe tantos danos interiores que o marinheiro não suportou, caindo no gramado à beira da cidade. Estava nocauteado. Fora derrubado psiquicamente. Desci da muralha pela bandeira, a fúria ainda pulsando em meu coração. E então, cometi um ato que não me orgulho – embora nunca sairá de minha mente – eu me lembrei como era a sensação de matar uma pessoa.
Corri até o corpo de Joker, estendido no chão. Eu estava a uma distância segura dos minotauros que terminavam de nocautear Kreev. Procurei no corpo daquele cara por algum instrumento pontudo e quanta sorte: ele tinha uma pequena adaga presa em sua cinta. Sem dó, eu a puxei para o alto e depois para baixo, fincando-a entre seus rins. Sucessivos golpes penetraram a pele do marinheiro e logo o gramado ao seu redor estava sujo de sangue. Eu berrava enquanto o esfaqueava; meu maldito cabelo não parava de cair entre meus olhos. Dez facadas, quinze, vinte... eu já tinha a certeza de que ele estava morto e larguei sua adaga num grito do dor. Se alguém passava por ali, naquele instante, provavelmente pensaria duas vezes e voltaria para a cidade. Meu instinto ainda sussurrava em meu ouvido para procurar itens preciosos no corpo do ladino. Kreev já estava fora de si. E para mim, estava tão morto quanto Joker. Os minotauros me olharam assustados, porém, frenéticos. Um deles urrou, e partiu em minha direção. Esquivei mas logo fui atingido pela segunda criatura. Precisei fugir de volta para a cabana de Kipler, sangrando e cambaleando.
No meio do caminho, despistei os dois enormes guerreiros e eu não conseguia conter meu choro, queria trazer o corpo de Kreev, mas não consegui.

Ah, cara... eu estava mal e parecia que só agora, somente agora o efeito daquele chá começava a passar. Eu havia matado um homem, algo que eu já tinha esquecido de como fazer há um bom tempo...

* * *

Quando cheguei ao acampamento, Áries e Balg’ Or ainda bufavam de cansaço. Eu era uma mistura de choro e raiva, ao dizer a eles que Kreev estava morto. Não dava para ser engraçado num momento como aquele.

Kipler sugeriu que fossemos atrás do corpo de Kreev e desta vez, Bleiner viria conosco. Descansamos alguns minutos, talvez nem dez e então, peguei todos os meus equipamentos mágicos bem como Áries e Balg’ Or fizeram. Kipler havia dito para mantermos a calma e que provavelmente Kreev estava bem. Impressionante como aquele pequeno é entendido das coisas.
Na descida de volta a Alendar, Bleiner me disse que haveria um torneio na cidade no próximo dia, conforme Kipler lhe avisara. Poderia ser uma forma da Comitiva mostrar seu valor, mas confesso que eu não estava pensando muito nisso, só queria ver se o draconato estava bem.

Chegamos novamente à cidade e qual não é a minha surpresa a não ver seu corpo mais ali? Os minotauros também não estavam, apenas o cadáver de Joker jazia no gramado, do lado de fora da cidade. Áries e Bleiner pareciam curiosos em saber o que houve com Joker, mas apenas alertei-os que aquele não incomodava mais.
Áries correu para dentro de Alendar seguido por nós. Perguntou a um guarda onde poderia estar o corpo de um draconato que havia defendido a cidade minutos antes.

- Mas é claro, meu senhor. – Disse o guarda empolgado em nos ver. – Ele está na “Heal House”, ou Casa de Cura na linguagem de vocês. – Ele sorria. Sem nem mesmo agradecer, partimos em direção da Casa de Cura.
Dobramos a esquerda, depois a direita no final de uma praça, até finalmente darmos de cara com uma imponente casa toda esculpida de marfim. Ela era branca e tingida com um cinza, proveniente do marfim de algum animal muito velho. Áries abriu as portas da Casa e eu fui pego de surpresa por alguém que já havia esquecido. De pé, encostada numa das paredes da sala estava Castiel, com seus braços cruzados como alguém espera o tempo passar. Ao seu lado, havia uma bonita elfa de cabelos loiros e curtos numa espécie de reza.

- Castiel!!! – Não preciso nem dizer quem foi que gritou seu nome, né? A barda, por sua vez se assustou com a voz de Bleiner e então veio em nossa direção. Nos cumprimentou e por fim, num longo suspiro, disse estar feliz por ver o meio-orc e eu também.
- Como está Kreev? Ele está bem?
- Ele sobreviverá. Está sendo analisado pelos clérigos da cidade. – Castiel apontava para uma porta no final do corredor. – Não acredito como vocês conseguiram abandona-lo, estava muito ferido... 
- Hey! Eu não abandonei ninguém! Eu o teria salvo se ele não estivesse cercado por dois enormes minotauros! – Castiel bufou olhando para mim. Parecia não acreditar no que eu dizia.
- E aquela ali, quem é?
- Oh... esta é Ellowyn, uma antiga integrante da Comitiva também. – Disse Áries apresentando-nos a elfa de cabelos curtos que agora sorria.
- Kreev ficará bem, mas levará algum tempo. Provável que só no fim do dia ele seja liberado. – Ela disse com sua voz tranqüilizadora.
- Bom, ficamos mais aliviados. – Áries conferia sua mochila - Agora, Castiel... tenho algo a lhe propor.
Eu não sei por que, mas aquelas palavras deixaram Bleiner espumando de raiva e curiosidade. Em vão, toda via, o que o tiefling tinha a propor à barda também me interessou: íamos até o banco da cidade trocar toda a nossa riqueza por dinheiro alendariano, o Crock como é chamado por aqui.

- Enquanto vocês três fazem isso, eu irei com Bleiner até a pousada “Fist of Flame” saber mais detalhes deste tal “Torneio de Alendar”.
- Alendar promoverá um torneio?
- Sim, jovem barda. E creio que seria muito interessante se a Comitiva participasse.

Castiel compartilhou da emoção de Áries e Bleiner por participar de um campeonato. Eu estava indeciso, ainda.

Meia hora depois e já havíamos trocado o dinheiro sugerido por Áries. Havíamos trocado quatro diamantes astrais pela moeda de Alendar. Se você não sabe quanto isso deu em Crocks, não se preocupe, tenho certeza de que foi o bastante para comer, beber, dormir e se divertir por mais UM ANO, se alguém quisesse. É claro que Alendar não é tão atrativa quanto Pinus e para mim, o quanto logo nós sairmos daqui, melhor.

* * *

   - Vou levar a parte de Áries para ele e depois seguirei para a taverna “Flying Goat”. – Disse Castiel saindo do banco.
O mago de braços peludos e eu concordamos e após nos encontrarmos com Áries, que ainda parecia empolgado lendo as regras do Torneio da cidade, seguimos até a taverna “Flying Goat”.

Muita gente. Essa seria a melhor descrição para aquela taverna. Eu nunca vi tanta gente em tão pouco espaço. Até mesmo a Grande Praça de Pinus pareceu uma loja de armas num dia de feriado comparado com aquilo. Haviam pessoas lotando as mesas; uma dúzia estava debruçada sobre o balcão; outros davam a impressão que seriam expelidos pelas janelas a qualquer momento enquanto alguns pareciam querer subir no lustre e nos pilares de madeira para abrir espaço.

- Movimentado, não? – A barda me olhou.
- Parece haver uma brecha ali no balcão, vamos rápido, seus beberrões. – Balg’ Or seguiu na frente. Para mim, ser chamado de beberrão é como um titulo ordinário. Entretanto, Castiel parecia não ter gostado da postura do eladrin.

No balcão, dei espaço para Castiel sentar no único banco disponível – sim! Eles têm bancos para você sentar no balcão por aqui! Tenho certeza que essa idéia seria aceita na Taverna do Pala Chifrudo, em Ludwig – e ela pediu a bebida mais cara do lugar. Duvidando da nobreza da meio-elfa, o taverneiro encheu-lhe um copo do que eles chamam de Whiskey. Eu logo pedi um para mim. Ah, e como era bom aquilo. Quero dizer, uma bebida destilada de cevada?? Tenho certeza que os anões de Anoehin devem estar se mordendo de raiva por não terem pensado nisso antes. O gosto forte, porém reconfortante do Whiskey limpava a minha garganta e todas as minhas angustias foram embora como a descarga que se puxa numa latrina...

O quê? Vai me dizer que você não sabe o que é uma latrina??

Enfim, estávamos nós dois ali, saboreando boas doses daquela bebida. Castiel empolgada em ouvir como o taverneiro produzia a cevada e depois o liquido forte engarrafado e eu empolgado em poder beber alguma coisa, ato esse que eu já não fazia há semanas!
Quando eu digo “estávamos nós dois ali” é isso mesmo que você leu. Embora Balg’ Or estivesse conosco, ele não estava bebendo. Parecia repudiar aquele ato. Permanecia de braços cruzados de olho no taverneiro. Quando lhe ofereci um gole, quase jogou a caneca em cima de mim. O que não teria sido uma coisa muuuito ruim.
Mas foi quando Castiel se interessou em outro assunto do taverneiro, que o “valente” mago de braços peludos quase pôs tudo a perder. A barda havia perguntado ao taverneiro onde poderia fazer uma tatuagem como a de alguns homens “marinheiros” vistos na cidade. O taverneiro, cheio de segundas intenções, disse que ele mesmo conseguia faze-las. E poderia desenhar uma para Castiel de graça, se ela quisesse.

Eu não sei, mas para mim, o que ele queria era se dar bem com a meio-elfa. Orra, um cara grande, de bigode meio grisalho, avental encardido de bebidas alcoólicas e dono de uma taverna não deve ser a pessoa ideal para se fazer uma tatuagem (embora possa fazer algo que também vai te “marcar” por muito tempo...).

Sacou a piadinha? Marcar...?

...

...

Tudo bem, já estamos quase acabando.

Após jogar sua “trova” para cima da barda, Balg’ Or pulou como um gato em cima do balcão (eu ainda não sei como ele conseguiu fazer aquilo) e atirou um Míssil Mágico na cabeça do pobre taverneiro!
Ora, mas que coisa mais inteligente de se fazer, mago! Usar magias numa terra de gente que as repudia? Parabéns, meu caro!

Não deu outra, o taverneiro caiu inconsciente atrás do balcão e a própria Castiel berrava para prenderem o mago. Como eu não tinha nada a ver com aquilo, acabei saindo da taverna junto com o grande fluxo de pessoas preocupadas. Ainda na saída, apontei para um dos guardas que se aproximavam que o eladrin era o culpado e rapidamente, mais três guardas entraram no aposento, contendo Balg’ Or. Mas talvez, quem cometeu o pior ato foi eu mesmo, embora ninguém percebera. Deixando o aposento, fiquei extremamente preocupado com as bebidas daquela taverna; corri então para uma das laterais da casa e usei minha mente para flutuar duas belas garrafas cheias de Whiskey pela janela até a minha bolsa de viagens.

Ah... agora sim. Eu tinha a certeza de que poderia saborear mais daquela bebida sem preocupações.

De volta a entrada da taverna, pude ouvir Balg’ Or gritando igual uma menininha para os guardas, suplicando para não levá-lo para a cadeia. Eu sorria, vendo o constrangimento da barda.

- Vamos, vamos nos encontrar com Áries e esquecer esse mago bipolar.


Encontramos Áries já na saída da pousada “Fist of Flame”. O tiefling estava muito empolgado com o Torneio de amanhã. Pragmático, como era, já havia decorado todas as 25 regras da competição e era capaz de poder dizer todas elas, se você quisesse. Bleiner estava empolgado também, por ser um monge, ele sabia que um torneio de luta é sempre uma chance de mostrar suas habilidades.

No fim do dia, com um pôr do sol bem alaranjado, seguimos de volta à Heal House. Ellowyn estava lá, com seu sorriso que dizia “Bem vindos novamente”. Seguimos até o aposento de Kreev e um clérigo alto, porém esquelético, nos avisou que o draconato já estava melhor. Numa cama de ferro, Kreev ergueu seu tronco enfaixado e dolorido ainda. Castiel o abraçou, feliz em revê-lo. Bleiner certificou-se de fazer o mesmo em seguida, logo todos nós já estávamos contente em vê-lo melhor.

Ah, cara... Pode ser o que for, mas ver um cara durão como Kreev vivo foi um enorme alivio para mim. Sinto que não poderei perder esses caras. São como a minha família agora. A minha nova família de malucos. Acho que, no fim das contas, juntar-me a eles foi a melhor coisa que eu poderia ter feito.

- Recupere-se bem, Kreev. Precisaremos de você amanhã. – Disse Áries deixando a sala.
- Claro... ainda temos que ver como a cidade resistiu e...
- Não, tio Kreev! – Interrompeu-lhe Bleiner. – Não amanhã. Amanhã temos algo melhor para fazer. Temos um campeonato para participar! A Comitiva Escarlate foi assinada para o Torneio de Alendar!

- Eldarion "Ébrio" Finruillas

Um comentário:

  1. Chorei de rir com o diário!

    Aaheuahueaeaea

    Ébrio sempre aprontando as suas.

    A descrição do efeito da Yaggi ficou muito boa! A tartaruga dizendo boa tarde e a casa mandando subir na cerca... meeeeu ri demais aheauehauehauhea

    ResponderExcluir